Educação pública sofre com desigualdade digital

Falta de acesso à internet cria abismo entre estudantes das redes pública e privada durante a pandemia

Por Ediane Tiago*

“A melhor política pública é aquela que conseguimos implementar”, comentou Tabata Amaral, deputada federal por São Paulo, em episódio do podcast das EconomistAs. Para Tabata, projetos fundamentais para a educação esbarram, muitas vezes, na busca por perfeição, revelando um claro distanciamento da realidade por parte de políticos e acadêmicos. “Política é conciliar interesses e, nem sempre, o melhor projeto, do ponto de vista técnico, é o vencedor”, diz.

Deputada Tabata Amaral: as escolas já deviam estar conectadas, garantindo a continuidade dos estudos a todos os alunos. Crédito: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

As palavras de Tabata ilustram os desafios pelos quais o Brasil passa – desde a privatização das telecomunicações, em 1998 – para fazer valer os pilares da Lei Geral das Telecomunicações (LGT). O marco legal do setor coloca em patamar de igualdade a competição na exploração dos serviços e a universalização do acesso, assegurando a livre iniciativa e, ao mesmo tempo, a isonomia para os cidadãos. Dentro dessa lógica, o ensino a distância seria uma ferramenta disponível a todos os brasileiros, mitigando os efeitos da pandemia de Covid-19 no calendário das escolas públicas e privadas.

No entanto, a pandemia escancarou a desigualdade digital. “As escolas já tinham de estar conectadas há muito tempo”, lembra Tabata. A congressista ressalta a luta dos professores para se adaptarem aos meios digitais de ensino, a falta de ferramentas para aulas online e as dificuldades de acesso dos alunos.

Segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), há 31,7 milhões de telefones fixos conectados à rede no país. A banda larga fixa soma 33,3 milhões de acessos, enquanto a telefonia móvel registra 225,3 milhões – demonstrando que o brasileiro deu um salto tecnológico, adotando o acesso aos serviços de voz e dados por meio de dispositivos móveis.

A competição e a cobertura avançaram, mas a universalização da banda larga é um desafio real. Na ponta dos consumidores, as velocidades de conexão exigidas pelo teletrabalho e o ensino a distância dependem da compra de pacotes de serviços que não cabem no bolso de muitos brasileiros. Segundo a Anatel, quase 40% dos domicílios do país continuam sem acesso à internet. Entre as famílias de baixa renda, o índice sobe para 70%.

Vale lembrar que a LGT foi escrita antes da explosão da internet e da telefonia móvel. Tinha como foco a telefonia fixa comutada. Nesse contexto, as bases para garantir acesso às redes – como a criação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) – ficaram engessadas por um serviço envelhecido e sem demanda.

O Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE) também não é novo. Foi criado em abril de 2008 pelo governo federal, com o objetivo de conectar as escolas até 2025. Caminha a passos lentos e tem seu próprio dilema: ligar as escolas à rede é apenas uma parte da equação. É preciso treinar professores, prover ferramentas de ensino a distância e equipamento aos alunos.

A resposta, segundo Tabata, pode estar no uso dos recursos do Fust para impulsionar a educação pela via da digitalização. Segundo ela, o dinheiro será usado para transformar a educação, não apenas combater a pandemia.

“A desigualdade educacional aumentou e a retomada vai demandar organização e recursos para as redes de ensino, principalmente nas cidades menores e mais distantes”, diz Tabata.

Atualmente, o Fust acumula quase R$ 22 bilhões e tem servido como colchão de recursos para equilibrar as contas do governo federal. No final do ano passado, a Câmara dos Deputados enviou projeto ao Senado que permite o uso dos recursos do Fust para a ampliação da banda larga nas escolas. O projeto espera votação.

Também no ano passado, a própria Anatel elaborou um anteprojeto de lei que torna possível a utilização dos recursos do Fust em projetos de interesse público. A proposta atende às recomendações do Tribunal de Contas da União para garantir a aplicação dos recursos na infraestrutura de banda larga no Brasil, atendendo, especialmente, as famílias de baixa renda.

Novo Fundeb

Na pauta da educação, Tabata ainda destaca a importância da continuidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), que entrou em vigor em 2007 e hoje financia mais da metade dos recursos da educação básica no país. “É preciso aprovar o novo Fundeb com urgência”, alerta. O fundo movimenta R$ 150 bilhões por ano e, se não for renovado, termina ao final de 2020, comprometendo o ensino médio e fundamental já no próximo ano letivo.

*Ediane Tiago é jornalista especializada na cobertura de ciência, tecnologia e inovação e colaboradora do EconomistAs.